A Escola de Arquitetura da Universidad Politécnica de Madrid acaba de homenagear merecidamente o Catedrático Alberto Campo Baeza. Eu gostaria de juntar-me a este jubileu justo e necessário com esta reflexão originalmente intitulada como "Campo Baeza, Fiat Lux" (Faça-se a luz).
Estamos tão acostumados a ver a luz do dia que já não paramos para dar as graças por essa cotidiana alegria. Nós que somos mais jovens que Baeza, embora pareçamos mais velhos pela imagem eterna de seu rosto moreno, calmo e cheia de vida por seus olhos brilhantes, estamos acostumados a vê-lo sempre ali, dando-nos tempo ao tempo, sem oprimir. Isso porque não são muitos seus projetos, são como um novo frasco de luz que nos traz o aroma de sua arte. E dizemos frasco pois muitas vezes sua poesia nos é oferecida em obras pequenas, casas que, entretanto, correm as páginas do mundo. E nós, como se fosse um dom que merecemos, tampouco sentamos a escrever e dar graças por ele e seu elixir. Quantos anos passaram já desde aquela escola de tijolos e aquele espaço curvo, onde a luz se ordenava nas pedras e a escala era medida com uma criança? Quantos anos se passaram desde que as janelas da Casa Turegano foram dispostas na planta, e nos deixaram sem palavras com um raio de luz que cruzava escalonado? Nós não dizemos. São muitos!
Nascido em Valladolid, o arquiteto gosta de dizer que para a luz ele nasceu em Cadiz. No entanto, vemos em seus projetos também o castelhano, o rigor geométrico, a sobriedade do platô, o feitiço do horizontal, que evidencia o itinerário do grande astro. Claro, as casas brancas, os telhados planos, os terraços da Andaluzia, mas também a simetria. Valladolid é uma terra de campos e Baeza, um lugar onde fez-se da pedra a poesia.
Ele é um membro da Real Academia de Bellas Artes de San Fernando (2014), o que é uma honra e um grande mérito e recebeu muitos reconhecimentos: o Prêmio de Arquitetura Espanhola Internacional (PAEI 2015), o Torroja por sua Caja Granada ou o prêmio da Universidade Politécnica de Madrid pela excelência no ensino em 2013. Construir e ensinar. Ensinar e construir.
Na Itália recebeu o The International Award Architecture in Stone em Verona, bem como expôs seu trabalho na Basílica de Palladio em Vicenza e no Tempieto di San Pietro in Montorio, em Roma. Mostrou seu trabalho silencioso também no Museu MAXXI e na Fundação Pibamarmi em Vicenza.
O RIBA nomeou-o como um International Fellowship em 2014. Ele recebeu o prêmio Heinrich Tessenow que une seu nome ao de um arquiteto magistral que também fazia muito com pouco. Em 2009, a Galeria MA de Toto em Tóquio fez uma exposição retrospectiva de sua obra, em 2015, a Casa Oris de Arquitetura de Zagreb e vários outros lugares na Espanha. Também a Igreja de St. Irene em Istambul reuniu seu trabalho. E tantos outros mais.
Então, na América do Norte: a Gold Medal,The Arnold W. Brunner Memorial Prize da American Academy of Arts and Letters, além de ter exposto seu trabalho ali e no Crown Hall de Mies em Chicago. Nos Estados Unidos está a casa Olnick-Spanu e o projeto do museu Mia (Magazino of Italian Art) em Garrison NY, dedicado à arte. Ele também projetou uma casa para Tom Ford, no Novo México (Estados Unidos), que em última análise, não foi construída pois não obteve permissão do município, por ser "pouco espanhola" [1].
Ainda sabemos pouco seus prêmios para a importância do seu legado teórico, escrito e construído, e por alento, nos consta por experiência própria que tem impulsionado todos aqueles que têm se interessado em luz, ajudando e empurrando o espírito que busca.
Como professor de projetos na Escola de Madri, como escritor, conferencista e difusor constante da Arquitetura e da Luz, frequentemente nos desfaz os efeitos de luz e, assim, nos faz tentar entender a razão para seu luxo discreto. Nos fala muito também em seus primeiros desenhos, pois com o traço trêmulo, são como as sementes do que logo surgirá. Sempre lidando com várias ideias, mas que não se acabam em um projeto. É frequente que uma obsessão se vá aperfeiçoando, explorando em vários exercícios sucessivos. Assim, escreveu em várias de suas obras e segue escrevendo Hortus Conclusus, Mais com Menos em todas, Impluvium de luz em muitas outras, em várias separou o estereotômico do tectônico. Um arquiteto como ele não é uma, é muitas casas.
Mais com menos
"Sobriedade castelhana" dissemos antes, vamos chamá-la agora como quisermos, vamos colocar em uma moda: minimalismo, ou em uma conduta: a frugalidade, ou uma atitude: sanidade, ou uma ordem monástica: a pobreza e austeridade. Enquanto nestes anos conhecíamos o titânio, o composto Gurea, os policarbonatos impossíveis, o "postureo"... ele trabalhou mais com menos, lidava com tijolo, pedra, concreto (geralmente muito bruto), e com a água que quebra os reflexos luz sobre uma cobertura ou uma fachada... Ele sempre nos ensina lições. E isto descende em elementos, despindo de complementos, nos leva a uma maior intensidade no que realmente importa, os materiais mais baratos, como ele diz: espaço e luz, que em última análise são os mais valiosos.
Hortus Conclusus
Seu trabalho em muitas ocasiões separa-se do entorno para oferecer-nos o céu, para olhar para cima e vê-lo recortado entre suas paredes brancas, esse céu que confere luz. Essas paredes, por vezes, de fora, nos deixam ver uma árvore, o que lhe dá uma sombra fragmentada movendo-se ao vento, convidando-o a pensar: o que há por trás dela?
É a primeira parede da Casa Gaspar que encerra a laranjeira, o que nos deixa sem palavras, mostrando de dentro os pinheiros que estão externamente, o que também foi desenvolvido na Casa Guerrero, embora mais alto no último. Construindo e investigando. O mesmo pode ser visto em Inca, Mallorca, em um polígono muito feio, mas quando você está dentro do seu reino você não o vê, só o mundo, triangular, neste caso, que foi criado dentro, os limoeiros e, no lugar dos navios, as montanhas distantes.
O berçário de Benetton apenas o branco dos United Colors e recolhe em outra parede curva os pátios das crianças, caixas de areia. Também nas Oficinas Zamora se fecham com uma parede, esta de pedra, para receber e te tornar parte daquela catedral de cúpula que estudávamos em história da arte. Ao invés de confrontá-la, os escritórios são criados como um edifício interior, com o muro alto de pedra em torno que se alia com o sítio e forma uma pele que é dá sua imagem à cidade: uma parede urbana. Dentro, noli me tangere, a peça de vidro se separa do fechamento em todas as fachadas exteriores, criando esse mundo interno, inter-espaço que se pode modelar com total autonomia. Além disso, tanto Zamora como e Mallorca, o estereotômico enterrado e acima do solo, o edifício tectônico. E da simplicidade controlada da caixa interna, podemos ver, se quisermos também, uma Jacobsen nas paredes leves de vidro.
Estereotômico, tectônico
Tem sido em seu departamento de projetos da ETSAM onde este conceito tomou uma força incomum [2]. E é no trabalho de nosso protagonista onde recebe uma importância fundamental como arma projetual. Partimos da casa de Blas, onde separou uma caixa áspera estereotômica e colocou sobre ela uma peça pequena, delicada, uma caixa de vidro, contrastando e conformando o tectônico da proposta. Depois, na Casa Rufo, onde, em continuidade ao pórtico de concreto, leva-nos à proposta da Casa sul lago de Terragni. Mais tarde, na Casa Olnick-Spanu mostra, com mais delicadeza, o mesmo conceito que se abre sobre o Hudson. Esperando ver, somente em maquetes como a conhecemos, a Chapoutot em Marrocos... Também de estrutura leve, ilusão, quimera feita entre catedrais, luz de Cádiz. E, às vezes, esse pouso de cubos brancos nos lembra Sol Lewitt.
Luz, mais luz
Sim, já falamos e aqui repito, que quando escrevemos sobre a luz, são tão profundos ensinamentos do professor Campo neste campo, que tem-se a sensação de, sendo uma criança, estamos entrando em uma fazenda alheia para roubar maçãs: da sua própria.
O truque de Baeza, sem dúvida, é a luz e sua delicadeza, quando recorta o ar em seu interior, luzes que passam e atravessam, luzes que furam desde cima, que fazem seus olhos à deriva seja direcionado para o espaço elevado. Outras vezes contraste, espaços altos que não recolhem mais que o volume de ar, como em algumas construções árabes que querem esconder-se do rigor do dia e debaixo: a brisa. Granada, serenidade romana, gigante rigor, a moderação, impluvium de luz, alabastro que se carrega de claridade, como as pedras que vimos antes, luz sólida também.
E as plantas aaltianas [3]: Campo Baeza colocou-o em sua paleta do primeiro ao último projeto. Residência do Infinito. Veja como projeta o sol nas paredes brancas, como se move calmamente, como é desfocado quando há nuvens e se desenham claros, concisos no verão seguindo seu trajeto. Às vezes testa com quadrados, e retorna ao círculo depois de investigar, calmo, despreocupado. Tempo na viagem e o projeto. Tempo.
Rasgos de luz. Anos atrás, desenhou uma habitação social que atravessava a luz pela sala. Já em Granada, o painel de concreto que nos separa da estrada, criou este rasgo que perfura depois de ter subido entre paredes cegas, e agora novamente é testado em outro museu: o Louvre de Liévin. Outro conceito, outra busca de efeito.
E também matemática imaculada: simetria, quadrado, proporção, círculo, plano, geometria, quadrado e esquadro, retângulo, malha, eixo e reta, maquetes. E tratados: taxis, euritmia, composição ... Venustas!
Sim, espirais de pingüins [4], hélice na Mercedes, mas, não serão as rampas que sobem sobrepostas no Vaticano? Ou a que projetou similar e antes Leonardo? ... a que subia de Stirling em Stuttgart? essa não, muita cor. A de Guggenheim em Nova Iorque? Será a da mesquita de Samarra? Quem sabe onde sua cabeça anda... Você não sabe bem onde bebe Alberto, ou não sabe bem onde não.
Alberto bebe sempre faminto de efeitos. Sempre criando adeptos. Sim, claro: Mies, Johnson, Aalto, Le Corbusier, Terragni, Tessenov, Libera (ou Malaparte), Barragan, Los Five, Lubetkin, outros muitos. Por outro lado, Carvajal, Fullaondo e Saenz de Oiza sempre em seu coração e memória. Porque sua arquitetura destila através da luz, a disciplina.
Estamos sempre à espera de uma nova peça, para pensar, comprovar e disfrutar de sua maestria, vigar, força de luz e vida. Muito obrigado professor.
Rogelio Ruiz Fernández nasceu nas Asturias, Espanha (1965). É Arquiteto U.P.Valencia 1990, Pós-graduação en U.Coruña y U.Valladolid, Doutorado em U.Valladolid 2003. Acaba de publicar Arquitectura atravesada por la luz ED. U.Valladolid 2017.
Notas
[1] A sensibilidade de Tom Ford para a arquitetura está fora de dúvidas: vemos com a escolha da casa de madeira de Lautner em Single Man ou a recente Scott Mitchell em Nocturnal Animals, feita em Santa Fe com Tadao Ando.
[2] Sem esquecermos, também, em seu departamento da ETSAM, de nosso apreciado Jesús Aparicio Guisado nessa linha de pesquisa. A revitalização do conceito de estereotômico e tectônico vem de Kenneth Frampton que incorpora uma apreciação de Gottfried Semper. O estereotômico refere-se ao que transmite em massa as cargas, a parede estrutural, o escavado o obscuro que perfuramos para obter luz. O tectônico é o de estrutura marcada, com pilares e nós, leve e apoiada. A Casa Wiley (1953) de Philip Johnson é um exemplo da confrontação desses conceitos
[3] O mestre finlandês usou em Turum Sanomat (1929) pela primeira vez.
[4] Estamos nos referindo ao pavilhão dos pinguins de Lubetkin no zoológico de Londres
Bibliografia
- CAMPO BAEZA, ALBERTO, La idea construida, Universidad de Palermo. Artes Gráficas, Madrid, 2000.
- CAMPO BAEZA, ALBERTO, Campo Baeza,Colección Arquitectura Española Contemporánea.Ed Munilla-Lería Madrid 1997.
- CAMPO BAEZA, ALBERTO, Campo Baeza 2, Colección Arquitectura Española Contemporánea. Ed Munilla-Lería Madrid 2009.
- CAMPO BAEZA, ALBERTO Principia Architectonica, Memoria del curso 2011,2012. Ed Mairea-ETSAM-UPM 2012.
- CAMPO BAEZA, ALBERTO, Buscar denodadamente la Belleza, discurso de entrada en la Real Academia de Bellas Artes, Editorial Mairea, Madrid 2014.
- RUIZ FERNÁNDEZ, ROGELIO, Arquitectura atravesada por la luz. Prólogo Alberto Campo Baeza. Proemio Juan Carlos Arnuncio. Ed. Universidad de Valladolid, 2017.
- WITTGENSTEIN, LUDWIG, Vermischte Bemerkungen. Aforismos, Austral, Espasa Calpe, Madrid, 1997.